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Por que são órfãos nossos super-heróis?

Por admin

Atualizado em 6 de novembro de 2025

A maioria dos filmes que permanecem em nossas imaginações não o faz apenas por seus efeitos visuais ou tramas de ação. São histórias que, sob a superfície do entretenimento, abrigam significados mais profundos do que percebemos à primeira vista. Histórias que falam de nós — dos nossos medos, perdas e esperanças.
Os super-heróis são espelhos modernos dos antigos mitos. Têm suas forças e fraquezas, seus dons e dilemas. Mas há neles um traço comum, quase universal: são órfãos. E talvez seja justamente essa ausência que os torna tão próximos de nós.

A pergunta é inevitável: por que nossos super-heróis são órfãos?

A resposta parece repousar nas origens da mitologia humana. A figura do órfão sempre simbolizou o começo da transformação. Moisés, um dos grandes heróis da Bíblia Hebraica, é talvez o exemplo mais antigo. O menino que foi lançado ao rio para escapar da morte decretada pelo Faraó. O bebê que foi salvo por uma princesa egípcia e cresceu em meio à nobreza do inimigo. Ao descobrir sua verdadeira identidade, rompeu com o palácio e libertou o povo da escravidão.
O herói nasce, aqui, do abandono — da perda que inaugura a liberdade. O órfão é aquele que, ao ser privado de tudo, torna-se capaz de conduzir os outros à esperança.

Séculos depois, o cinema reinventou esse arquétipo. Em Superman – O Retorno, a figura do herói messiânico se repete. Kal-El, o bebê enviado à Terra para escapar da destruição de Krypton, é acolhido por uma família humana e criado como um de nós. Sua verdadeira origem, porém, é revelada pela voz do pai, Jor-El, que ecoa entre as estrelas:

Embora você tenha sido criado como humano, não é um deles. Eles podem ser um grande povo, se tiverem alguém para guiá-los.”

Jor-El significa, em hebraico, “Luz de Deus”; Kal-El, “Voz de Deus”. Como Moisés, Superman é salvo do extermínio e enviado às águas do desconhecido. Ambos são mensageiros — símbolos da fé e da coragem em tempos de escuridão.
Não é por acaso que as duas histórias se entrelaçam. Ambas falam da travessia entre a origem e o destino, entre o humano e o divino, entre o medo e a redenção.

Superman é, no fundo, uma metáfora sobre a condição humana. Representa o ser que, ao perder tudo, descobre o propósito. Sua força não está apenas na capacidade de voar ou erguer montanhas, mas em manter-se fiel à luz interior que o orienta. A orfandade, nesse contexto, não é uma tragédia — é a semente da transcendência.

A Bíblia retorna a esse tema quando Deus ordena a Abraão: “Sai da tua terra, da tua parentela e da casa de teu pai.”
A mensagem é clara: a missão humana começa com o desapego. Nenhum destino pode ser cumprido sem antes romper com as amarras da origem. O órfão, simbólica ou literalmente, é aquele que está livre para recomeçar — para aprender, errar, criar.

Por isso, talvez, todos os heróis — Moisés, Superman, Batman ou o Homem-Aranha — carreguem o mesmo fardo e o mesmo dom. Perdem os pais para ganhar o mundo. A perda é o rito de passagem que os transforma de vítimas em guias, de filhos em protetores.

E nós, espectadores, seguimos com eles. Porque todo ser humano, em algum momento da vida, sente-se órfão — da infância, da fé, dos sonhos que se perderam no caminho. É nesse instante que o mito nos alcança. O super-herói não é apenas aquele que salva o outro; é aquele que descobre, na solidão, o poder de renascer.

No fim, talvez o segredo de nossos super-heróis esteja menos na força e mais na falta. Eles não são divinos por serem invencíveis, mas por terem aprendido a transformar a dor em missão.
Afinal, só quem já perdeu o chão pode sonhar em voar.

Por Palmarí H. de Lucena

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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