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O amor: sagrado ou profano?

Por admin

Atualizado em 9 de novembro de 2025

O amor é o altar onde o homem aprende a ser Deus e escravo de si mesmo. Começa como prece e termina como lembrança. Ninguém ama impunemente: o amor é a mais delicada das feridas. É doce no início, sublime no meio, e trágico quando a alma percebe que amava mais a ideia do que o ser.

O amor não tem morada fixa. Visita os santos e os pecadores, os templos e os prostíbulos. É o mesmo sopro divino que ascende um beijo e consome uma vida. Deus, ao criar o amor, talvez tenha rido da nossa pretensão de santificá-lo — pois Ele sabia que o amor seria a ponte entre o céu e a carne.

Há quem ame por fé e há quem ame por fome. Os primeiros esperam milagres, os segundos desejam presenças. Ambos se enganam. Porque o amor, em sua natureza, é impermanente — um relâmpago que se crê estrela, uma chama que teme apagar. O amor quer durar, mas foi feito apenas para iluminar o instante.

O amor sagrado é o que se ajoelha. Venera o outro como um santo, recita o nome como se fosse salmo. Mas esse amor, quando cresce, tende a se tornar frágil, porque nenhum homem suporta ser adorado por muito tempo sem se tornar tirano. O amor profano, ao contrário, nasce do corpo e floresce no pecado. É impuro, mas sincero. Ama o suor, o toque, o erro — e por isso, se aproxima mais da verdade.

Os que amam demais sofrem de um mal sutil: confundem entrega com salvação. Pensam que amar é curar, mas o amor não cura — ele revela. Mostra o que há de pior e de melhor em nós, e ainda assim exige que continuemos. É o único vício que nos faz querer morrer e viver ao mesmo tempo.

A mulher ama como quem escreve uma oração que ninguém lerá. Ama no escuro, na ausência, no silêncio. Ama até o limite da alma, e quando chega lá, ainda inventa mais amor. O homem ama como quem busca um espelho. Quer se ver admirado, quer ser salvo da própria vaidade. E quando percebe que o amor o desnuda, foge — porque o amor verdadeiro não adora, desarma.

Há uma santidade na carne que poucos percebem. Os corpos que se buscam com ternura são mais puros que muitas almas que rezam por medo. Deus, que é tão grande, não pode se ofender com o que Ele mesmo criou. O amor é o Seu idioma secreto. Mas os homens, tão preocupados com o pecado, esqueceram de ouvir a gramática divina da paixão.

O amor humano é uma heresia sagrada. Quer eternidade, mas vive no tempo. Quer ser anjo, mas precisa da pele. E por isso sofre, e por isso é belo. O amor, quando é verdadeiro, não salva — transforma. E o que se transforma, renasce.

O amor é o único altar onde o homem aprende a se ajoelhar por vontade própria. Mas, às vezes, esse mesmo altar se torna sepulcro. Porque amar também é morrer um pouco — morrer para o ego, morrer para o orgulho, morrer para a ilusão de controle. Quem nunca morreu de amor, nunca conheceu a ressurreição da alma.

A santidade e o pecado se abraçam no mesmo leito. Ambos nascem do mesmo desejo de eternidade. O santo quer eternizar o espírito; o amante, o instante. E, no fim, talvez Deus ame mais o segundo — porque o amor que se consome é o que mais se assemelha à luz.

O amor, seja sagrado ou profano, é uma forma de oração. Os que amam com fé, rezam de joelhos; os que amam com desejo, rezam com o corpo. Mas todos, sem exceção, buscam o mesmo milagre: ser compreendidos, mesmo que por um breve instante.

E é nesse instante, tão breve e tão infinito, que o homem encontra Deus. Não no templo, não na doutrina — mas no olhar que o perdoa por ser humano.

Do livro inédito  A Divina Hipocrisia

Ilustração Capela Sistirna Michelangelo

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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